Dor em Pacientes HIV+
Um Resumo
O tratamento da dor em pacientes HIV+ é similar ao tratamento dos pacientes com câncer. A dor é um sintoma comumente relacionado aos pacientes infectados pelo HIV, mesmo na ausência de cânceres oportunistas, como o sarcoma de Kaposi. Os princípios de determinação e tratamento da dor em pacientes HIV+ não são fundamentalmente diferentes daqueles em pacientes com câncer e deveriam ser seguidos por pacientes HIV+.
A preponderância da dor em indivíduos HIV+ varia dependendo do estágio da doença, dos cuidados e da metodologia de tratamento. Estimativas da preponderância da dor em indivíduos HIV+ mostram uma gama de 40 a 60%, com predomínio do aumento da dor conforme a doença progride. 38% dos HIV+ ambulatoriais relataram dor significante num estudo prospectivo de preponderância da dor. 50% dos pacientes com AIDS relataram dor enquanto somente 25% daqueles nos primeiros estágios de HIV+ tiveram dor. Os pacientes tinham uma média de duas ou mais dores simultaneamente. Um relatório ambulatorial recente sobre homens HIV+ demonstrou que 28% daqueles que eram soropositivo assintomático, 55,6% daqueles com complexos relacionados à AIDS e 80% daqueles com AIDS, relataram um ou mais sintomas dolorosos por um período superior a 6 meses.
Um estudo sobre a dor em pacientes hospitalizados com AIDS revelou que mais de 50% dos pacientes necessitaram tratamento para a dor; com a dor representando 30% das queixas (perdendo somente para a febre). Relatou-se que 53% dos pacientes com AIDS em estágio bastante avançado, tratados em abrigos, tinham dor.
As síndromes de dor mais comumente relatadas nos estudos até hoje incluem neuropatia sensorial periférica dolorosa, dor decorrente de prolongado sarcoma de Kaposi, dores de cabeça, dores faringeal e abdominal, artralgias e mialgias, bem como condições dermatológicas dolorosas. Neuropatias periféricas relacionadas ao HIV freqüentemente são condições dolorosas que afetam até 30% das pessoas com AIDS e caracterizam-se pela sensação de queimação, formigamento, ou anestesia na extremidade afetada. Várias drogas antivirais, como didanosina ou salcitabina, agentes quimioterápicos usados no tratamento do sarcoma de Kaposi (vincristina), bem como fenitoína e isoniacida, também podem causar neuropatias periféricas dolorosas.
A síndrome de Reiter, artrite reativa e polimiosite são condições dolorosas relatadas no início da infecção pelo HIV. Outras manifestações reumatológicas dolorosas nos HIV+ incluem várias formas de artrite (síndrome articular dolorosa, artrite séptica, artrite psoriática), vasculite, síndrome de Sjogren, polimiosite, miopatia pelo uso de AZT (zidovudina) e dermatomiosite.
Condições associadas à dor crônica ou intermitente incluem infecções intestinais com microbactéria avium-intracelular e criptosporidium, que causam espasmos e dor abdominal intermitente; hepatosplenomegalia, resultando em distensão abdominal e dor; candidíase oral e de esôfago, causando dor enquanto o paciente está comendo e engolindo e espasticidade severa associada com encefalopatias, que causam espasmos musculares dolorosos.
Condições relacionadas ao HIV que causam dor aguda em crianças incluem meningite e sinusite, que resultam em dores de cabeça severas; otite média; herpes - zóster; celulite e abscessos; dermatite severa por candidíase e cáries dentárias.
O paciente HIV+ enfrenta muito stress durante o curso de sua doença, incluindo dependência, incapacidade e medo da dor e de uma morte dolorosa. Tais preocupações são universais; o nível de abalo psicológico, entretanto, varia e depende do apoio social, capacidade de auto-afirmação individual, personalidade e fatores médicos, como a extensão ou estágio da doença.
Em um estudo da dor em pacientes HIV+ ambulatoriais, a depressão estava significantemente correlacionada com a presença da dor. Além de estarem significantemente mais desgastados e deprimidos, aqueles com dor (40%) apresentavam o dobro de tendências suicidas que aqueles sem dor (20%). Os pacientes HIV+ com dor apresentavam-se funcionalmente prejudicados, estavam mais deprimidos, estavam mais sujeitos ao desemprego ou incapacidades e relatavam menor apoio social.
As crianças HIV+ geralmente vêm de famílias problemáticas. Muitas famílias têm mais de um membro infectado e múltiplas perdas para a AIDS numa mesma família são comuns. Isso afeta o modo das famílias lidarem com a doença e a dor por ela causada. O sentimento de culpa dos pais, que geralmente resulta na negação da doença, também pode resultar na negação à dor da criança e resistência ao tratamento adequado da dor.
Medo da dependência e preocupações relativas ao abuso com drogas afetam tanto a aquiescência do paciente quanto a administração clínica de analgésicos opióides e freqüentemente conduzem à sub-medicação dos pacientes infantis HIV+ com dor. Também é problemático tratar a dor dos pacientes do crescente segmento dos HIV+ usuários de drogas ilícitas.
O tema do abuso das drogas também é problemático na população pediátrica de HIV+. Muitas crianças infectadas pelo HIV vêm de famílias onde o abuso de drogas intravenosas é ou foi problema. Ou elas têm pais usuários ativos de drogas ou estão em tratamento de recuperação pelo abuso de drogas, ou vivem em grandes famílias e tiveram experiências com o abuso de drogas por parentes. Nestes ambientes, crescem os questionamentos quanto à segurança ao se prescreverem opióides à criança. O uso de opióides por uma criança cujos pais são ou foram drogados, gera insegurança quanto à criança também se tornar viciada. Estes medos e preocupações deveriam ser antecipados e discutidos, bom como planos explícitos deveriam ser praticados visando minimizar o risco de disseminação de drogas.
O tratamento geral de crianças HIV+ é o mesmo que das que têm câncer. O controle da dor em crianças HIV+ pode ser complicado pela freqüência de encefalopatias e atrasos de desenvolvimento relacionados. Normalmente é difícil determinar se um bebê com encefalopatia, que não pode falar, está sentindo dor. A atenta observação e avaliação das respostas de uma criança às tentativas de medicação da sua dor pode ser a melhor maneira de suprimir a dor desta criança.
A Visão do Problema
Câncer é diagnosticado em mais de 1 milhão de americanos anualmente. Cerca de 8 milhões de americanos atualmente têm câncer ou histórico de câncer; de destes diagnósticos foram feitos nos últimos 5 anos. Câncer causa 1 de cada 10 mortes no mundo e está crescentemente prevalecendo nos Estados Unidos, onde, segundo a Sociedade Americana de Câncer, causa 5% do total de mortes, cerca de 1.400 mortes por dia.
A dor associada ao câncer é freqüentemente mal tratada (sub-medicada) em adultos e crianças. Pacientes com câncer freqüentemente têm múltiplos problemas de dor. A dor causada pelo câncer pode dever-se a progressão do tumor e patologias correlatas (ex.: danos neurológicos), operações e outros procedimentos invasivos de diagnóstico ou terapia, intoxicações com quimioterapia ou radiação, infecções, ou dores musculares quando os pacientes limitam as atividades físicas.
A incidência de dor em pacientes com câncer depende do tipo e estágio da doença. Quando diagnosticado em estágio intermediário, 30 a 45% dos pacientes têm dor moderada a severa. Em média, aproximadamente 75% dos pacientes com câncer em estágio avançado têm dor. Dos pacientes com câncer que têm dor, 40 a 50% relatam-na como moderada a severa e outros 25 a 30% descrevem-na como muito severa.
Em aproximadamente 90% dos pacientes, a dor decorrente do câncer pode ser controlada por meios relativamente simples, e ainda uma afirmação consensual do Instituto Nacional do Câncer sobre as dores do câncer indica que a "sub-medicação da dor e outros sintomas do câncer são um problema sério e negligência da saúde pública." O Instituto concluiu que "...todo paciente com câncer deveria ter expectativa de controle da dor como um aspecto integral de seu tratamento durante o curso da doença."
Devido ao controle da dor do câncer ser um problema de âmbito internacional, a Organização Mundial da Saúde (OMS) priorizou que cada nação dê alta prioridade a estabelecer uma política de alívio à dor do câncer. Nos Estados Unidos, muitas organizações têm trabalhado com este objetivo.
Sofrimento, Perda do Controle e Qualidade de Vida
A dor do câncer pode desaparecer com a cura do paciente ou continuar indefinidamente como uma complicação das terapias curativas. Apesar de se pensar que a dor do câncer é freqüentemente uma crise que emerge nos estágios avançados da doença, ela pode ocorrer por inúmeras razões e causar sofrimento, perda de controle e de qualidade de vida durante o tratamento do paciente, mesmo para o paciente cuja condição é estável e cuja expectativa de vida é longa.
O sofrimento decorre do tratamento extensivo e suas conseqüências à auto-estima e à vida do paciente, além de notada limitação das opções de se lidar com os sintomas ou problemas causados pelo câncer, a sensação de perda pessoal e a limitação da esperança. "O sofrimento pode incluir dor física, mas de forma alguma limita-se a ela... Mais freqüentemente, o sofrimento pode ser definido como estado de desgaste severo associado a eventos que limitam a integridade da pessoa... O sofrimento dos pacientes com câncer terminal pode freqüentemente ser aliviado pela demonstração de que sua dor pode realmente ser controlada."
A dor pode exacerbar o sofrimento do indivíduo quando este perde as esperanças, fica ansioso e se deprime. O choque e a descrença, seguida de sintomas de ansiedade e depressão (irritabilidade e perda do apetite e sono, inabilidade de concentração ou à prática de atividades corriqueiras) são comuns quando as pessoas descobrem ter câncer ou descobrem que o tratamento falhou ou a doença voltou a manifestar-se. Estes sintomas geralmente desaparecem em poucas semanas com o apoio da família e dos responsáveis, apesar de que uma medicação sedativa para fazê-los dormir e reduzir sua ansiedade pode ser necessária nos períodos de crise. "O alívio ao sofrimento e a cura da doença podem ser vistos como obrigações concomitantes do profissional médico que realmente se dedica ao cuidado dos doentes."
Nota: O compromisso em aliviar a dor é componente essencial da abordagem clínica e obrigação ética para beneficiar sem danos; os profissionais de saúde devem manter-se muito bem informados quanto ao controle da dor, mesmo quando os programas atuais não prevêem isso.
O controle pessoal refere-se à habilidade individual dos pacientes de se adaptar às circunstâncias imediatas e as decorrentes através das ações pessoais, incluindo: (1) prever os acontecimentos, (2) ter escolhas de opções de tratamento, (3) manter um repertório de habilidades para o tratamento, (4) acessar e usar informações relevantes e (5) acessar e usar o apoio social ou outros.
O controle pessoal é abalado quando o câncer é diagnosticado e acompanhado de dor contínua, procedimentos invasivos ou que causem seqüelas como amputações, tratamentos intoxicantes, hospitalização e cirurgias. Quando a dor reduz as opções de controle do paciente, diminui seu bem-estar psicológico e o faz sentir-se sem esperanças e vulnerável. Por isso, os médicos deveriam apoiar o envolvimento ativo dos pacientes em métodos efetivos e práticos de controle da dor.
A qualidade de vida dos pacientes de câncer com dor é significativamente pior daquela dos pacientes de câncer sem dor. O efeito da dor atinge 4 áreas da qualidade de vida: física, psicológica, espiritual e social. Familiares e pessoas queridas dos pacientes de câncer compartilham o sofrimento, a perda de controle e de qualidade de vida, bem como o stress psicológico e social. Os familiares que prestarão cuidados precisam dormir e respeitar os limites de seus cuidados e têm necessidades socioeconômicas e medos relacionados aos custos do tratamento.
Mesmo na ausência de elementos de stress psicológico, emocional e físico, a família pode sentir-se despreparada para lidar com as diversas necessidades do paciente. Eles freqüentemente precisam aliviar a dor, tomar decisões sobre a quantidade e tipo de medicação e determinar quando a dose de medicação deve ser dada. Estratégias sofisticadas de controle da dor requerem que eles lidem com regimes complexos de medicação, envolvendo medicações parenterais ou infusões peridurais em casa.
Alguns familiares hesitam em dar doses adequadas de analgésicos com medo que o paciente torne-se viciado ou dependente ou que apresente deficiências respiratórias. Os médicos deveriam assegurar aos pacientes e familiares que a maior parte da dor pode ser aliviada segura e efetivamente. Os familiares podem sentir-se despreparados para lidar com as necessidades de alívio da dor dos pacientes ou negar que o paciente sinta dor, evitando enfrentar a possibilidade de que a doença esteja progredindo. Estas situações requerem discussões contínuas entre pacientes, familiares e clínicos especializados no controle da dor.
A Dor e As Modalidades de Controle da Dor
A anatomia, fisiologia e farmacologia da analgesia vêm sendo extensivamente estudadas. Um grande avanço foi a descoberta dos neurotransmissores que conectam o cérebro ao cordão espinal e que modulam a atividade neurotransmissora espinal. Estes condutores, assim como outros do cordão espinal, respondem aos opióides e outros analgésicos assim como aos estímulos psicológicos e experimentais, inclusive ao stress, para produzir analgesia. Especulou-se que a ativação deste sistema de controle pela ação de opióides indígenas, como B-endorfinas e enkefalinas pode causar o fenômeno de analgesia placebo e o aparente efeito analgésico de uma acupuntura em algumas circunstâncias clínicas.
A dor pode ser definida como "uma experiência sensorial e emocional associada a danos verdadeiros ou potenciais de tecidos, ou descrita em termos de tais danos". Apesar dos mecanismos da dor e seus transmissores estarem sendo melhor compreendidos, dever-se-ia enfatizar que a percepção do indivíduo à dor e a avaliação de seu significado são um fenômeno complexo que envolve processos psicológicos e emocionais, além da ativação dos transmissores nociceptivos. A intensidade da dor não é proporcional ao tipo ou extensão do tecido danificado, mas pode ter influência no sistema nervoso. A percepção da dor depende das interações complexas entre os impulsos nociceptivos e não-nociceptivos nos neurotransmissores ascendentes, com relação à ativação dos sistemas inibidores de dor descendentes.
Este conjunto dá base a um enfoque compreensivo, multi - disciplinar ao alívio e tratamento de pacientes com dor e se adequa à observação clínica de que não há enfoque simples ao controle efetivo da dor. Em vez disso, o controle individualizado da dor deveria adaptar-se ao estágio da doença, condições médicas concorrentes, características da dor e características psicológicas e culturais do paciente. Ele também requer avaliação contínua da dor e da eficácia do tratamento. A melhor escolha da modalidade geralmente muda conforme as condições do paciente e as características de sua dor mudam. É importante que a eficácia da modalidade analgésica usada separada ou combinadamente seja cuidadosamente avaliada.
Sempre que houver presença de dor, os clínicos deveriam providenciar alívio eficaz, através da avaliação rotineira e tratá-la com o uso de uma ou mais das modalidades aqui descritas. (Mas o mais correto é o encaminhamento ao médico da clínica da dor, o qual tem maiores subsídios para um tratamento mais adequado.)
A OMS relata progressos nas dosagens e tipos de analgésicos para o controle eficaz da dor. Quando este tipo de tratamento não - invasivo é ineficaz, as modalidades alternativas incluem outras formas de administração das drogas, bloqueios nervosos e neurocirurgia ablativa. Os pacientes que recebem tratamentos em várias graduações de invasividade também podem beneficiar-se de outras modalidades; os números de pacientes que recebem estas modalidades tanto separada quanto combinadamente não tiveram seus casos bem documentados. Há necessidade de pesquisa para determinar a eficácia de muitas destas modalidades usadas separada ou combinadamente para diferentes grupos de pacientes em vários segmentos.
Barreiras ao Controle Efetivo da Dor
O controle da dor é freqüentemente atrapalhado desnecessariamente. Os profissionais da área de saúde raramente são bem treinados para o controle da dor, e podem nem perceber a importância do controle ou nem reconhecer quando um paciente sente dor, e podem ter medo de prescrever medicações opióides. Como alguns clínicos, pacientes e familiares podem evitar o uso de opióides devido ao seu medo do vício e da tolerância, os pacientes podem nem reclamar sobre as dores menores. Entretanto, recomenda-se que os clínicos incluam nas explicações ao paciente e familiares informações sobre dor e seu controle durante o plano de tratamento. Outra barreira é que o controle da dor tradicionalmente não é prioridade no sistema de assistência médica. O tratamento da dor não é coberto pela assistência social ou facilmente acessível e as instituições preocupam-se mais com o possível vício do paciente pelos opióides ou outras substâncias controladas que com a otimização no alívio da dor. Os clínicos deveriam assegurar aos pacientes relutantes em relatar dor e que temem a dependência e os efeitos colaterais incontroláveis, que há diversas maneiras de aliviar a dor segura e efetivamente.
Conversar com os clínicos para obter informações sobre o controle da dor, ou ler este guia e aprofundar em pesquisas sobre o assunto, deveria ajudar os pacientes e seus familiares a ultrapassar suas preocupações e medos que atrapalham o controle efetivo da dor.
Fonte: HIVPositive.com